quinta-feira, 3 de maio de 2018

Filme europeu



- Começa assim: de um rochedo, Tristan contempla as águas cinzentas de uma praia uruguaia...
- Vai direto ao ponto.
- Calma. Então... aí ele mergulha, nada um pouco, como se tentasse fugir dos problemas...
- Se limita à ação.
- Porra, é um filme de arte. Se eu relatar só a ação vai ficar banal.
- Deixa que eu imagine, uai.
- Voltando: aí Tristan sai da água e fica chocado com o que vê na areia. Se aproxima. É um leão marinho agonizante.
- Uau, tem impacto, hein?!
- Sim. Tristan sente um misto de horror e piedade vendo aquela vida primitiva se esvair em um urro.
- Catarse!
- Não, é uma epifania.
- E depois?
- Ele fica nu.
- Faz sentido.
- Sim, aí caminha um pouco. Muito vento, um farol, sons de pelicanos.
- E?
- Ele avista Sven, um sueco pelado.
- Também pelado?
- Isso. Aí Tristan sente uma paz interior.
- Ao contemplar a rôla sueca?
- Não interrompe.
- Desculpa.
- Tristan se senta ao lado de Sven e eles ficam ali calados por uns 7 minutos.
- Consigo sentir o entrelaçamento das almas.
- Não era isso que eu queria transmitir nesse quadro.
- Tá, foda-se, continua.
- Tristan rompe o silêncio dizendo que um barqueiro contou pra ele que aquela região tinha sido um cemitério há muito tempo.
- Será que essa é uma fala boa pra romper o silêncio?
- Sven responde: el mundo es um gran cementerio.
- Uhhh... muito bom. Mas só o Sven fala em espanhol?
- Os dois falam, só quis dar ênfase à fala do sueco.
- Conseguiu. Parabéns.
- Depois eles transam em uma pedra. E basicamente é isso.
- Gosto. Prevejo Palma de Ouro.
- Pretendo ficar pelo circuito independente.
- Parece filme do Julio Medén.
- Quem?
- O que fez Lucía e o Sexo.
- Não conheço.
- Os Amantes do Círculo Polar, não lembra? Usava um DVD desse filme para comer universitárias nos anos 90.
- Você tá comparando meu roteiro com seus pretextos pra foda?
- Bom, voltando ao seu roteiro: o que você acha do Mateus Nachtergaele como barqueiro?
- Pode ser.
- E Tristan e Sven?
- Pensei no Benicio Del Toro como Tristan e Ricardo Darín como Sven.
- Ricardo Darin vai ser o sueco?
- É disruptivo. Um desafio maravilhoso. Ele vai topar.
- Achei muito mainstream. Vai ter dinheiro pra contratar?
- Carlito, é uma produção independente hispano-franco-sueca que se passa no Uruguai por falta de praia melhor. Qualquer ator consagrado vai amar. Cachê simbólico, lógico.
- Entendi. Por que vocês não tentam o Ryan Gosling como Tristan? Benicio é meio velho.
- Vou propor.
- Posso fazer a trilha?
- Você? Desculpa, é que pensei numa trilha mais almodovariana. Uns bolero, sei lá.
- MInha visão sobre sua película é diferente.
- No que pensou?
- Tenho uma referência aqui pra você.

Assistem um vídeo do Youtube por 2 minutos.

- Carlito, é só um bêbado ridículo tentando pular uma grade.
- Sente a atmosfera. Ouve esse piano.
- Porra, o pianinho é de zuêra.
- Mas conseguiu o efeito. Tem lirismo. É o palhaço melancólico. Vejo Chaplin. Vejo Peter Sellers em Muito Além do Jardim.
- Você quer comparar o @guerreirinho95 com o Hal Ashby?
- Amanda, não seja esnobe. Esses são os verdadeiros artistas contemporâneos.
- Vê se aterrissa, Carlito. Você delira demais.
- Eu?
- Adeus. Abre a porta pra mim.