quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Massagem tântrica


- Não goza! Não goza!
- …
- Droga, perdi mais um paciente.
- Eu morri?
- Pedi pra não gozar, cara. Olha aí – consulta o relógio – nem três minutos de sessão.
- Desculpa, você foi muito… eficiente.
- Tá louco? Sabe onde você tá? Massagem tântrica é pra reter energia. Não pra… aff, sujou até o teto.
- Você me estimulou, ué. Queria o quê?
- Estimulei? Mano, eu toquei suas têmporas e seu joelho. Quantas zonas erógenas você tem, afinal?

O rapaz senta na maca, levemente entorpecido, tentando recuperar a lucidez.

- Quanto tempo trabalha nisso? – puxa conversa.
- Sou iniciante. Terminei meu curso há dois meses.
- Logo vi.
- Era pra durar uma hora, mas você… sei lá, você é bem apressado
também, né?
- Eu? – indigna-se, obscurecendo o jeitão relaxado – moça, eu sou rápido mesmo. Muito rápido! E é por isso que eu vim aqui.
- Ejaculação precoce?
- É.
- Eu tinha que colocar uma placa lá na porta, proibindo ejaculador precoce de entrar.
- Mas eu vim pra me tratar. 
- Olha, pode pagar só metade, tá?
- Minha namorada ainda tá na sessão aí ao lado.
- Daqui uma horinha ela sai.
- Você é bem arrogante pra quem faz um serviço tão porco.
- Porco é você. Melou até a ficha de inscrição.
- Tem nojinho? Tá no ramo errado.
- Amigo, isso aqui é uma filosofia, um método milenar, e não putaria.
- Sei, mas você andou fugindo das aulas, né?! Foi curso online?
- Foi no SENAC.
- Talvez precise de uma pós.
- Ganho 500 paus por sessão. Foda-se o que você pensa, ligeirinho.
- Mas comigo você não fez valer.
- Ah é? Mas tenho uma técnica mais extrema pra clientes como você.
- O que você vai…?

A massagista começa a arrancar do rosto uma fina película de borracha, que dava forma aos seu traços. Por baixo da máscara surge uma face tão conhecida quanto inusitada.

- Você é o… não pode ser.
- Não notou nem minha voz?
- Olha, se você é mesmo o Gugu Liberato, devo te dizer que sua voz não é das mais masculinas.
- E como se sente sabendo que o Gugu, o apresentador que você via no Viva a Noite quando criança, te levou ao orgasmo?

A indagação faz o rapaz estremecer.

- Aqui na clínica usamos todos os métodos, inclusive o trauma psicológico. Pode acreditar, daqui pra frente, nada de ejaculação precoce na sua vida. Aliás, nada de ejaculação de nenhum tipo – solta sua gargalhada característica de Gugu, iniciando a dança do passarinho.

Bailarinas e um homem fantasiado de pênis amarelo entram no consultório e colocam-se a dançar, atordoando ainda mais o cliente.

- Mas que porra é essa? Tem câmera filmando isso? 

Gugu e seus dançarinos continuam a performance, cantando Meu Pintinho Amarelinho sem se abalarem, enquanto o rapaz foge, gritando pela namorada pelos corredores da clínica:

- Vânia! Vânia, cadê você?

Ele soca a porta do consultório onde a mulher é massageada. Nada acontece, até que alguém toca em seu ombro, fazendo-lhe despertar.

- Amor, acorda!
- Vamo embora daqui!
- Embora de onde, Vitor? Cê tá na sua cama, foi só um sonho ruim.
- Horroroso!
- De novo com o Gugu?
- Por que esse maldito tomou conta do meu subconsciente?!
- Vai saber - diverte-se Vânia -  Pelo menos ele tem te dado uns toques, não?
- Tenho até vergonha de contar isso na análise.
- Uhm… e qual foi a mensagem edificante dessa vez?
- Ele…
- Diga.
- Vamos tocar aquele tratamento, o da ejaculação – constrange-se.
- Santo Gugu! – comemora Vânia – Vou mandar flores para a… qual é
mesmo o canal dele?
- Eu mereço.

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Dia dos Namorados no PS


- Belo dia dos namorados que eu fui arrumar.
- Pode ter certeza que minha noite tá pior que a sua.
- Me tirou do meu Netflix, do meu chazinho, da minha doce solidão.
- Carol, não te obriguei a me buscar.
- Não me obrigou, só ficou de mimimi no meu whats, com esse papo de "dor absurda" e "tô morrendo". Queria o quê?
- Tô sofrendo mesmo.
- Pois é, sou ex-namorada, mas não o monstro que você pinta pros seus amigos.
- Ia comprar uma pomada qualquer e pronto, adeus cu estourado.
- Caio, sabe lá se é hemorróida mesmo? Pode ser uma trombose, um abcesso, edema, sei lá.
- Para, tá me dando nervoso.
- É grande o inchaço?
- Do tamanho de uma couve-flor.
- Que horror!
- É brincadeira.
- Não tem graça! Já não basta me fazer passar por isso hoje?
- Carol, meu cu não sabe que é dia dos namorados. Apesar daquelas brincadeiras lá no começo do namoro, ele nunca participou muito da nossa relação, você há de convir.
- Duvido que a Sandra, a Luiza ou uma das suas meninas fizesse algo assim. Aliás, por que não pediu pra uma delas te levar ao PS?
- Para de me torturar! Não chega essa dor?
- Agora dói, né? Já doeu bastante em mim também. Enfim, sou uma burra mesmo.
- Que caminho é esse?
- Santa Catarina, ué.
- Não, toca pro Beneficência. O Duarte atende lá.
- Não vai ter vergonha do seu amigo?
- Ele é médico, porra!
- Sei lá, homem é sempre um bicho infantil.

Carol e o rastejante Caio entram no hospital. Ele preenche uma ficha e logo é chamado para atendimento.

- Quer entrar comigo?
- Não. Quero ver essa série da Globo que começa hoje – responde Carol, seca, sem tirar os olhos da TV da recepção.

Com ar de auto-piedade, Caio encaminha-se para a porta.

- Caio, espera.
- Oi.
- Você andou dando essa bunda, não andou? – crava Carol, sem se importar com as demais pessoas no saguão.
- Deixa de ser ignorante – susurra Caio, envergonhado com os enfermeiros que transitam pelo hall.
- Relaxa, enfermeiro é tudo gay, no máximo você vai descolar um atendimento mais "dedicado".
- Agora tá sendo preconceituosa.
- Fói só uma dúvida. Porque soube que voltou a cheirar. 
- Você sabe que tenho o intestino preso. Uma hora isso tinha que acontecer.
- Acontece porque você tá velho.
- Assiste sua série. Tchau.

Quinze minutos depois, no saguão...

- Carol?!
- Duarte, quanto tempo! Tudo bem com o Caio?
- Não muito. Ele entrou em estado convulsivo. Vou internar.
- Meu Deus! Não era só uma hemorróida?
- Pra você ver o tamanho do alien que ele tinha no reto.
- Como médico, você não devia falar assim.
- Desculpa, só vim saber se queria vê-lo antes da internação.
- Ok, vou lá.

Carol caminha pelos corredores do PS em busca do consultório que abriga Caio. Quando encontra, leva um susto ao abrir a porta.

- Caio, que porra é essa?
- O que te parece, minha linda?
- Desliga essa música, esqueceu onde você tá?
- Relaxa! Olha, tenho vinho.
- Por que essas pétalas no chão? Que brega, meu Deus!
- Ninguém vai aparecer, a noite é nossa.
- Parou, parou! Se é uma piada, como parece que é, foi a última!
- Não existe ninguém mais importante do que você na minha vida.
- Foda-se! Isso aqui é um hospital.
- O Duarte tá me cobrindo.
- O Duarte é médico. Como pode compactuar com essa palhaçada?
- Deita aqui, vamos celebrar.
- Na maca? Tá doido? Sai pra lá!
- Então fico no chão.

Caio se ajoelha e tira uma pequena caixa do bolso.

- Levanta, porra! Que é isso aí? Caio, não faz isso…
- Este anel era da minha avó. Tô te dando como prova da minha sinceridade.
- Olha, com todo respeito à sua vó, pode enfiar no seu outro anel, se é que ele suporta.
- Você não facilita. Tô dizendo que mudei!
- Caio, tem alguém me esperando na recepção.
- Alguém?
- Sim, a fila andou.
- Como assim? Não me quer mais de volta?
- E por que deveria querer? 
- Porque a gente combina juntos - sorri, singelo.
- Olha, tô indo, me agradece por não denunciar você e o imbecil do Duarte.
- Carol, peraí - lívido, Caio leva a mão ao peito.
- Tá passando mal?
- Sim.
- Bom, dessa vez não preciso te levar a lugar nenhum. Já tá entregue.
- Bruxa!
- Cafona!

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Keyla


- Alô?!
- Keyla?!
- Não, você se enganou, aqui é Antônia…
- Keyla, não desliga, sei que é você!
- Quem é?
- Abílio! Lembra? O Abílio da depilação. Da xiboquinha, lembra? Porra, Keyla, é o Bibi!
- Tá, já lembrei! Quer o que, Bibi?
 - Fora ser chamado de Bibi de novo, quero você de maiô dourado, corpitcho hidratadinho, coberta de glitter, mascando aquele trident de melancia…
- Jesus! Esse produto saiu de circulação, só lamento – diverte-se Keyla/Antonia.
- Quero que você volte! É uma ordem!
- Voltar pra onde?
- Pra onde você era soberana, e eu seu maior súdito, seu farrapo submisso. Volta praquela putaria gostosa, sabor cu fornicado, exalando lubrificante de uva vencido… ai, meu coração… 
- Calma, olha essa safena, vai ter um ataque!
- Volta pra vida, Keyla!
- É Antonia. E vê se não me complica.
- Volta pra vida, Antônia, Keyla, Cassandra, Jurema… seja lá qual for seu nome, o meu nome é desejo! Desejo!
- Vou desligar, com licença…
- Que frieza é essa? Cadê a dengosa, fluffer oficial das minhas horas vagabundas?
- Casou.
- Como?
- Keyla casou e voltou a ser Antônia, soube não?
- E como fica o velho Coco Bongo sem você? Como viverei?
- Menino, que eu saiba o Coco vai bem. E você continuará vivendo com sua mulher, a santinha. Como ela tá?
- A nega tá bem, mas será sempre uma brisa cálida diante do furacão Keyla.
- Hahaha… pois vivam felizes, assim como eu e meu fofucho.
- E quem vai me satisfazer? Volta pra vida, Keyla, imploro.
- Certeza que você vai arrumar alguém pra depilar seu cu enquanto mata umas xiboquinhas – abaixa a voz - Olha eu falando essas asneiras, vai que me ouvem.
- Quero você – a voz suplicante de Abílio enfraquece.
- Mas eu não faço mais o que fazia. Sou de um homem só agora.
- Como pode Keyla, a rainha das multidões, querer ser de um fofucho só?
- É porque eu amo você, meu amor.

Abilio se cala na linha. Ressurge instantes depois cheio de cólera.

- Que merda! Você saiu do personagem bem na hora em que eu tava aqui com a rola dura feito um toco de copaíba da Amazônia. Brochei.
- Porra, você cria enredos muito complexos. Fica difícil ser sua mulher e me fingir de puta que finge que é uma mulher direita que é ex-puta.
- Não! Tá errado! Tá vendo? Você não presta atenção. Vou explicar melhor: você é uma mulher direita fingindo ser puta que se faz de mulher direita, mas na verdade é uma ex-puta que continua sendo puta mesmo se fazendo de mulher direita. Ficou claro?
- Ai, Abilio, volta pro teatro e me deixa trabalhar. Já não tô dando conta dessa pilha de processos e ainda tenho que aturar sua sandice no meio da tarde.
- Tá saindo do personagem de novo.
- Abilio, a secretária ao lado fica me ouvindo falar de xiboquinha e cu depilado em pleno expediente. Quer que me mandem embora?
- Que secretária? Era pra você estar no Coco Bongo.
- Como Coco Bongo? Se eu sou mulher direita fingindo ser puta que se faz de mulher direita, posso muito bem ser advogada.
- Você não entendeu. Vou ter que explicar de novo.
- Xiii… tô com outro cliente na linha, peraí.
- Não, é rápido! Jadílson, me escuta! Jadílson, taí?

quinta-feira, 5 de março de 2015

O Monte Baigong


Com o notebook nos joelhos, Julie tenta planejar com o namorado os detalhes da viagem ao Monte Baigong, na China, onde visitariam uma suposta pirâmide alienígena.

- Sato, lembra em qual site vimos o hotel?
- Não.
- Pode me dar atenção? Foi você que encheu meu saco por causa dessa viagem.
- Depois, Ju.
- Vou achar no histórico.

Minutos depois, Sato levanta-se aflito.

- Sai do meu histórico, Ju! Nunca xeretei na sua máquina.
- Quem é Samanta?
- Como assim quem é Samanta? – atrapalha-se – Sei lá, por quê?
- Como pode entrar tanto no perfil de alguém que não conhece? Olha, praticamente todos os dias.
- Sai daí.
- E por que tanta visita a site pornô? 
- Deve ser coisa do filho da faxineira.
- De madrugada? Não teriam sido seus alienígenas? – ironiza.
- Chega! Dá isso aqui! – retira a máquina das mãos da esposa e a fecha.
- Nossa rotina sexual não é boa? 
- Que pergunta clichê. Uma coisa não tem nada ver com a outra! – minimiza - Quem diz que não vê mente!
- E o que você fica vendo?
- Você não leu?
- Não, só palavras esparsas. Me pareceu pornografia.

O rosto lívido de Sato ganha alguma cor após o esclarecimento.

- Ju, as vezes dou uma olhadinha, geralmente depois de umas cervas. Devia ter apagado, ou usado aba anônima, vacilei.
- E quem é Samanta?
- Ju, presta atenção: jamais vasculhei suas coisas e odeio quando fazem isso comigo! Mulher nenhuma… repito: mulher nenhuma…  
- Não fiz por mal - interrompe Julie - mas nem pense em inverter o jogo! Quem é Samanta?
- Uma alula que me pediu orientação.
- Agora deu pra mentir? Vai virar moleque com quase 40?
- Olha a ofensa.
- Deixa eu ver seu facebook.
- Tá bom, conheci na comunidade de ufologia. Ela queria se informar e eu…
- Mentindo de novo. Deixa eu ver, vai!
- Meu face…? Peraí, nunca fomos assim.
- Sato, se não me mostrar, vou imaginar as piores coisas, sair dessa casa e não voltar. Se me mostrar, talvez tenha alguma chance.

Sato abre o note e loga em seu perfil.

- Quero ver a tal Samanta Alecrim. É esse o nome da “aluna”? 
- Pronto. Mas eu juro que mal conheço.
- Clica em mensagens.
- Precisa? Não rolou nada.
- Aí! Não conhece, né? Olha o tanto de conversa. Deixa eu ler.
- Não vai confiar em mim?
- Você conta uma lorota atrás da outra e ainda pede pra eu confiar? Deixa eu ver essa merda do começo.

Nervoso, Sato anda de um lado para o outro do quarto.

- Tá bom, Ju! Fecha isso!
- Não chega perto!

À medida que avança na leitura, o rosto de Julie se contorce em variadas expressões de sofrimento. Quando chega ao fim, esfrega o rosto, engole o choro e respira fundo.

- Eu não acredito no que tá acontecendo.
- Ju, fui filho da puta, eu sei, mas não aconteceu nada.
- Não aconteceu porque ela não quis, seu sujo!
- Vamos conversar sem nos agredir.
- Tá aqui: você cheio de gracinhas, chamando pro bar todos os meses e ela te cozinhando, seu ridículo!
- Pois é, eu errei, mas não nos encontramos nem uma vez.
- Intenção também é trair.
- Mas é o menor dos males.

Julie inquieta-se, parece ter despertado para algo importante. Volta a ler a troca de mensagens febrilmente.

- Para de se torturar, Ju.
- Aqui, achei! Dia 26 de setembro: vocês se encontraram! 
- Tá louca? Deixa eu ver - confere a conversa – Ok, eu marquei, mas não fui.
- Sato, vocês marcaram no bar e só dias depois continuaram a conversa pelo face, sem nenhuma justificativa sobre desencontro. Claro que se encontraram!
- Não, não! Pode ver que depois eu, bem… tentei convidá-la de novo.
- Claro, vocês devem ser insaciáveis.
- Eu me lembro desse dia.
- Qual vai ser a mentira agora?
- Fui ao Bar do Abílio com o Juca e o Madureira.
- Muito conveniente! E os dois sujos vão confirmar.

Julie sai do quarto, deixando o homem a se amaldiçoar. Ela não perdoaria, era evoluída demais, européia demais, julga. Pode entender quase tudo, menos ser feita de otária. Quase tudo?, hesita Sato, sofrendo em meio ao dilema que se desenha em sua mente. Renunciar à namorada ou tentar a salvação, arriscando aniquilar sua honra?, pergunta-se. Não pensa mais.

- Julie – grita.
Laissez-moi! – responde Julie, do outro quarto.
- É sério, vem aqui!

Sem separar de duas sacolas de roupa, Julie para na porta do quarto.

- Tenho como provar que não estive com a Samanta naquela noite.
- Palavra de amigo seu não me vale de nada.
- Pode entrar no meu histórico e ver. Cheguei por volta de 11:00 e fiquei vendo…
- Pornografia?
- Sim.
- Deixa eu conferir.
- Calma, eu mostro. É só a data que interessa, né?

Sato abre o computador cum tanto trêmulo.

- Tá vendo? Comecei a navegar 11:40.
- Nossa, você ficou vendo pornografia até 4:30?
- Sim… ou melhor, não, vi outras coisas também. Não importa.
- Importa sim! Pode ter ficado falando com ela, ou sei lá qual safadeza. Tira a mão.
- Ju, quero que entenda antes de me julgar.
- Mas o que…?
- Na Grécia antiga isso era comum. Fiquei curioso.
- Sato, você é tarado em merda. Gente comendo merda, nadando na merda, cascata de merda… realmente não conheço você!
- Mas eu não te traí!
- Agora tô com repugnância ainda maior de você.
- Julie, você é francesa, não devia ligar pra essas porquices.
- Adeus, Sato!

Vinte dias depois, do alto do Monte Baigong, Sato e um homem de pele lilás assistem ao diálogo anterior de uma pequena tela. O homem lilás desliga o aparelho e comenta:

- Sua última frase foi deplorável.
- Como conseguiram filmar tudo isso?
- Não podíamos perdê-los de vista.
- Enfim,  a Julie não quis mais me ver e as amiguinhas dela espalharam entre alunos e corpo docente a minha peculiaridade. Hoje me chamam de bafo de merda pelas costas.
- Sua esposa era muito superior à tal Samanta que você tentou trazer.
- Tá, mas se era pra começar de novo, queria que fosse com outra mulher, mais jovem.
- Péssima ideia.
- Mas depois eu tentei trazer a Julie. Vocês viram.
- E também falhou miseravelmente.
- Pra um alienígena voyeur até que você faz muitos julgamentos.
- Suas qualidades eram as mais fracas entre os machos dos vinte casais. 
- Como assim vinte? Me disse que seríamos o único casal a embarcar.
- Agora serão dezenove.
- A Terra vai mesmo acabar? Não podem me poupar?
- Lamento.
- Porra, passei a vida inteira em contato com vocês. Não sabe o que significa lealdade?
- Você sem uma fêmea iria desequlibrar o novo ecossistema. Somos sustentáveis.
- Por que não sequestram alguém pra mim agora, rapidinho?
- Temos nossa ética.
- E fritar meu planeta pode, né?
- Se te consola, você não vai querer viver em um mundo onde te chamam de bafo de merda.
- Filho da puta!

- Iniciar contagem.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Repórter da Vice


No apartamento do pai, Cibele mata o tédio com seu smartphone, assim também evita a triste visão do coroa, que anda pelado pela casa, sem cerimônia, exibindo tattoos tribais e uma bolsa escrotal incapaz de suportar o peso dos anos.

- Vai aonde hoje à noite, filha?
- Ver Rei Leão no teatro. Quer ir?
- Nah…
- Que foi?
- Pensei numa pauta pra me impedir de ir em cana, mas preciso da sua ajuda.
- Como assim “ir em cana”?
- Ué, sem trampo: sem dinheiro. Sem dinheiro: sem pensão. Sem pensão: já viu, né?!
- Vou falar com a mamãe.
- Não, quero você como minha parceira em uma matéria pra Vice.
- Que matéria?
- Sobre virgindade.
- Ah, não começa.
- Nem vai querer ouvir?
- Odeio quando se mete na minha intimidade e mais ainda das matérias que escreve.
- Filha, larga esse “Eu Esperei pra Dar” de lado e confie no papai.
- É “Eu preferi esperar”, respeite a minha escolha.
- Onde já se viu, uma menina linda, nessa idade, esperar marido pra liberar a pepeka?!
- Ok, pai, terminamos por hoje – levanta-se e pega a bolsa.
- Peraí, senta e me ouve.

Mesmo contrariada, Cibele obedece ao pai com disciplina cristã.

- O trabalho jornalístico do seu pai foge de amarras técnicas e políticas, entende? É ir aonde ninguém nunca vai por nojinho, é imersão, jornalismo gonzo, autoral, orgânico, percebe?
- Tá, pai, não sou seu público mesmo.
- Busco o novo, não me interessa dar a mesma ração diária aos incautos.
- Já ouvi isso mil vezes.
- Um cara perdendo a virgindade não dá matéria, mas uma menina de boa formação, que caga pra tradições e decide perder o cabaço com um profissional é, sim, um material divino. Divino!
- Vai me vender como prostituta?
- Não, é o seguinte: te levo até os michês do centro, deixo você escolher o mais bonitinho, aí dou uma grana pra ele te iniciar, depois documento tudo.
- Isso é doença.
- Isso é subverter convenções. Que pai faria isso?
- Me pergunto o mesmo.
- E de quebra ainda faço um relato sobre o obscuro mundo dos gigolôs, bem menos glamourizados que putas e travas, sabe-se lá o por quê.
- Pai, quero perder com o meu marido.
- Filha, vou ser esculachado de todo jeito pela internet, mas é a melhor maneira de voltar por cima.
- O senhor escutou o que eu falei? 
- Tá, prefere continuar tão obtusa e ver seu pai preso?
- Quem sabe lá o senhor não encontra uma boa pauta? Se for estuprado, pode ter a sua tão valiosa “imersão”.
- Filha, sem ousadia não se sai do lugar.
- Pai, acorda, não sou mais virgem.
- Jura?
- Qual o problema? – enxuga uma lágrima - Não queria isso? Pronto, eu dei.
- Você é uma dissimulada, isso sim!
- E o senhor um egoísta! 
- Sua mãe sabe disso?
- De que importa?
- Peraí, vou ligar pra ela.
- Ah, antes a moralista, a obtusa era eu! Agora caiu sua máscara, né?
- Olha, se você já deu, fica até mais fácil.
- Como assim?
- Você não fez aulas de interpretação?
- Sim, mas…
- E o Preferi Esperar? Não te dá uma carteirinha?
- Tá louco?
- Você se faz de virgem e pronto, o resto é com o michê.
- Meus Deus! Além de depravado o senhor é desonesto!

Cibele bate a porta e o pai pega o celular sem qualquer remorso. Do outro lado alguém atende. Vai direto ao ponto:


- Giba, então… ela não topou. Mas tive outra ideia: tô pra ir em cana e…  nada grave, me escuta! Acho que de lá posso mandar um material revolucionário… Título? Perdi minha virgindade anal na cadeia. Que tal? Acha que essa carcaça murcha ainda aguenta o tranco?… Hahahaha! Fechou!