terça-feira, 8 de janeiro de 2013

A pergunta primordial



Valéria lava pratos na cozinha. Ao escutar um tranco na porta da rua, fecha a torneira rápido. Seguem-se barulhos de chaves caindo e de passos arrastados pela sala. Imagina ser o marido chegando bêbado, mas a surpresa é ainda mais desagradável.

- Ari? Nossa, que curativos são esses? – desespera-se ao ver o homem escorado pelo porteiro Chico.
- Me coloca aqui, Chico... isso, no sofá. Obrigado.
- Responde, Ari!
- Calma, Val. Deixa eu respirar.
- Peraí, Chico. Não vai embora. Me ajuda a levá-lo pra cama – ordena a esposa - O sofá é desconfortável.

Após mais alguns gemidos e lamentos, o marido está acomodado na cama e Chico de volta à portaria.

- Agora fala. Você sofreu um acidente? Por que não me ligou, homem?
- Val... eu te conto, mas devagar, por favor. Eu tava saindo do trabalho... e queria tomar uma cervejinha.
- E?
- Resolvi entrar naquele pub estranho... o de vidro fumê... como se chama mesmo? – pergunta-se Ari.
- Não enrola. E aí?
- Urgh... minha costela... deixa eu virar, peraí... pronto. Aí tinham quatro caras sentados lá dentro... e um negão monstruoso, perto da jukebox, na penumbra. Ele ficava sorrindo e eu só enxergava os dentes... malignos.
- Desembucha logo, Ari!
- Então os caras me envolveram, pediram cervejas por conta deles e, quando resolvi vir embora, me seguraram com uma conversa estranha. Pareciam mafiosos. Falavam sobre Grécia antiga, tribos indígenas, esfinges e... – Ari aperta os olhos como se não quisesse lembrar.
- Continua.
- Até chegarem ao que eles chamavam de “a pergunta primordial”. Aí me fizeram a maldita pergunta.
- Pergunta? Que pergunta? – Valéria treme de curiosidade.
- Queriam saber se eu prefiriria chupar um pau ou dar o cu. Cristo, que vergonha! – se contorce Ari.
- Ai, não!
- Eu respondi dar o cu, mas achei que fosse só uma pergunta retórica! Urrrgh! – geme Ari ao contrair o abdômem para pegar água na cabeceira.
- Para! Para! Eu não quero ouvir mais nada – Valéria desvia o olhar para a janela e coloca a mão na testa.
- Chupar é um ato muito íntimo, Val.
- Merda! Merda! Merda! – desespera-se a esposa.
- Então o mais esquisitão deles chamou o negão, virou pra mim e disse: Ari, você vai chupar o Lindomar. Ajoelha aí.
- Mas você não escolheu dar o cu, homem de Deus?
- Esses caras eram sádicos, Val!
- E aí, você chupou? Não protestou nem nada? – revolta-se a esposa.
- Eles pareciam armados, Val! Preferi não reagir!
- Então...?
- O negão colocou aquela coisa gigante na minha cara, aí eu não aguentei e... vomitei no pau dele.
- Vomitou no pau do negão? Aff...
- E o negão se ofendeu. Parou de sorrir na hora e me jogou em cima da jukebox. Acho que foi aí que eu fodi minha costela. Depois todos começaram a me chutar. Saí de lá me arrastando, enquanto os caras riam da minha humilhação. Na fuga eu só conseguia pensar em você, meu amor... me sentia tão envergonhado.

Valéria agarra o marido com força e começa a beijá-lo por toda a face.

- Devagar, Val!
- Acho que você foi muito macho, meu amor. Não me envergonho em nada de você – e abraça novamente o marido.
- Val...
- Diz.
- Acho que... ou melhor, o médico acha que é recomendável eu não viajar amanhã. Ok?
- Rá! Eu sabia! – larga o corpo de Ari sobre a cama.
- Val, o que foi isso?
- Sabia que aí tinha coisa. Você sempre com uma desculpa pra não visitar meus pais.
- Você tá duvidando de mim? Como você pode ser tão... desumana?
- Eu até acredito na sua história, mas também sou capaz de acreditar que você vomitou no pau do negão de propósito!
- Você tá brincando, né?!
- Ah, Ari... – sorri amarga – Quem não te conhece que te compre.
- Pirou de vez.
- Ari, sei como você é um cara esperto e oportunista. Talvez tenha sido isso que me encantou em você. Graças ao seu oportunismo temos essa casa e tanto dinheiro. Também graças a ele eu tô cada vez mais sozinha e infeliz. Você não viaja mais comigo, sequer até a Baixada pra ver meus pais.
- Você é louca? Fez toda essa leitura a partir do meu incidente com o negão?
- Você é maquiavélico, Ari! Você olhou pr`aquela pica gigantesca e viu nela uma grande oportunidade de fuga.
- Val... você tomou seu remédio hoje?
- Não me chama de louca porque quem tem problemas aqui é você. Pode ficar aí nessa cama. Eu vou sozinha... e não sei se volto.

Val bate a porta do quarto. Ari acomoda-se em meio às almofadas e sorri triunfante.







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