sexta-feira, 6 de maio de 2011

O pequeno confeiteiro


- Conta do Douglas, Gorete. Parou de andar com aquela gente?
- Ai, tô tão aliviada. Apareceu um pessoal pra endireitar ele. São de uma ONG que pega meninos pra treinar, dar uma profissão. Uns homens louros, cultos, tão bonitos. Vieram lá da gringa. Chique! Agora o Doug fica o dia inteiro na oficina, depois vai pra escola. Se der certo, logo arruma um serviço. Agradeço a Deus por ele não ter se metido no tráfico.
- Que maravilha! Olha ele chegando lá.

Do portão, Douglas grita para a mãe na laje.

- JOGA A CHAVE, PORRA!
- Ih, chegou nos cascos - observa a vizinha de Gorete.
- Pra você ver a cruz que eu carrego - pega a chave e a atira - SEGURA AÍ, MOLEQUE!

Doug sobe as escadas de cabeça baixa, sem responder à saudação da vizinha. Revoltada, a mãe o segue até o quarto.

- Seu mal educado! Minha Nossa Senhora, tá com a cara arrebentada por quê?
- Ainda pergunta? É a mesma treta todo dia. Só a senhora que é burra e não vê.
- ALTO LÁ! Quer ficar com o outro olho roxo também?
- Quando eu andava com o Celinho ninguém me tirava pra otário. Aí virei um “pequeno confeiteiro” de merda e agora até o vendedor de bala do colégio tira onda comigo.
- MOLEQUE INGRATO! Você tem é sorte. Não vai virartrafica igual esse Celinho e aquele bando de nóia. Vai ganhar seu sustento, sem dever a ninguém. Foi uma bênção essa ação social aqui no bairro.
-Sustento porra nenhuma. Fazendo bolo do Pokemón? Acha que eu vou longe?
- Há há há... você faz isso, filhote?
- VAI TOMAR NO CU!
- BOCA SUJA DE MERDA! Prefere vender pó pra playba dos Jardins, é?
- MIL VEZES! Aí vão me respeitar. Só a senhora mesmo com essa fita de confeiteiro do caralho.
- Deixa seu pai ouvir isso. Quebra seus dois braços e aí nem cajuzinho você faz mais.
- Porra, mãe. Tenho 15 anos, já sou crescido pra ser “pequeno qualquer coisa”. Esses branquelos da ONG tão com a vida ganha. Só querem aparecer, pagar de caridoso pra sociedade. Quem se fode é a gente. Ninguém de lá vai me salvar de nada.
- Mas Doug... olha o Cléber, que também foi amparado. O garoto tá um doce com os pais. Tira nota boa, parou de cheirar cola, não fica mais caído por aí.
- Há há há. O Clébão é o mais comédia. Ele faz oficina de papel machê! Nem sei que coisa de viado é essa, mas geral azucrina. A senhora nem imagina.
- Mas vocês têm que se impor!
- E minha cara tá assim por que, ô gênia? Toda dia é a mesma fita: “E aí padeiro, queimando muito a rosca?”, sendo que eu nem faço rosca na oficina. Aí vou pra cima né?! Já o Cléber é boneca e ouve zoação calado.
- Virgem Maria! Eu ouvi falar dessa praga nas escolas. Deu no Jornal Nacional, chama “bule” e sempre acaba mal.
- Mãezinha, num quero assustar a senhora, mas se liga no bagulho: é mais fácil eu morrer na mão desses moleques como pequeno confeiteiro do que no grupo do Celinho.
- Não me enrola.
- Na quebrada os manos se protegem. Só arruma treta quem é vacilão.
- Bom, vou falar com seu pai. Deixa ele resolver.

E assim começou a ascensão de Douglas, que viraria um dos principais chefes do crime organizado. Teve fama, mulheres e dinheiro, o que não é pouca coisa.

Um comentário:

ricardo coimbra disse...

também acho que precisamos dar mais atenção à grave questão do bullying contra os pequenos confeiteiros.